quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Amigos e parentes


(...) Me recordei rapidamente de todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparado para elas, ou por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em ser permanente...

Recordei de amigos e parentes distantes, aqueles que eu sempre deixo pra depois porque moram muito longe ou acabaram se tornando pessoas muito diferentes de mim, sempre penso “mês que vem faço contato com eles”. E se não tiver mês que vem?..."

Tati Bernardi

Que mérito?


Que mérito há em amar os que nos amam?

Eça de Queiroz

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Querida,



Você vai parti, em breve. Eu consigo ver as pessoas ao seu redor, no ônibus enquanto você parte em direção a uma nova vida. mas eu preciso dizer. Coisas que não se dizem todos os dias, coisas miúdas guardadas na agenda desgastada na última gaveta do criado mudo. Eu poderia começar com um "Eu Te Amo", desses bem sentimentais e barulhentos. Mas não. Eu começo essa carta com um "Eu Te Odeio". Profundamente. Verdadeiramente. Eu te odeio por trazer o inverno para dentro de mim, por entrar na minha vida, bagunçar todos os meus nervos e embaralhar todos os meus pensamentos. Te odeio mais ainda por ter dedos. Cincos dedos. Olha que maravilha! Dedos manhosos que percorre, minha barriga causando um pequeno furacão em meu corpo todo.

Hoje de manhã eu vi as suas malas, ali no nosso canto da cozinha, meus olhos escorregaram para o seu livro favorito. Esse que você lê todos os dias antes de dormir. Foi aí que eu tive a ideia de esconder essa carta. Pra dizer que eu te odeio por me deixar assim, cheia de experiência e vazia de emoção. Levando (eu sei, que isso soara a coisa mais piegas do universo, mas me perdoa, cartas assim não são escritas todos os dias) o meu coração. Levando o que restou de mais precioso em mim , após todas as tempestades.

Mas antes de terminar essas palavras inúteis e cheias de nostalgia de um futuro que nunca aconteceu, eu preciso dizer a verdade, parar com essa mania boba de mentir, de querer de enganar. Eu sei que você sabe. Que você saberá. Que eu, assim, piegamente Je t'adore, assim, em francês mesmo, pra ficar mais brega ainda. Eu te amo e isso dói. Você vai com o verão, e eu fico aqui com o inverno, sem você. Só peço que volte. Com novas flores e cores. Eu espero você. Primavera.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Insônia


Um copo de coca-cola ao acordar, 6 xícaras de café, uma torrada com manteiga, meio omelete, um gosto esquisito na boca e a sensação de não estar realmente acordado.
Se seu dia começa assim, ele provavelmente nunca terminará. Pelo menos era a impressão que dava. Ou a impressão que ainda dá. A impressão que o dia não acaba nunca. Que o ano passa num dia só, um dia muito longo e você com a sensação de não estar exatamente acordado. De repente tudo está amortecido. Você não percebe quando começa, e não tem previsão de quando termina. O tempo passa de forma peculiar. Você vê o sol nascer. E vê o sol nascer de novo. E vê o sol nascer de novo, e vê o sol nascer de novo.
Você liga a cafeteira.
Você espera. Acorda de tarde na cama com a cafeteira desligada. Acorda quando todos os prédios estão com as luzes apagadas e você só ouve buzinas distantes de algum outro lugar onde há pessoas acordadas enquanto os prédios estão com as luzes apagadas ouvindo buzinas distantes de algum outro lugar onde há pessoas acordadas enquanto os prédios estão com as luzes apagadas. A impressão que o dia não acaba nunca.
Você não percebe quando começa, e não tem previsão de quando termina. Uma sensação constante de déjà vu. De repente tudo está amortecido, e você ouve as buzinas distantes, a geladeira, olha o calendário, pergunta a si mesmo se já não tinha olhado antes, porque tinha certeza que não era quarta-feira. Você faz notas mentais. Lembrar que é quarta-feira. Se o dia começar assim, ele provavelmente nunca terminará.
As buzinas se misturam com o zumbido que se mistura com o gosto ruim na boca que se mistura com o café que se mistura com o calendário. Quinta-feira.
Pelo menos era a impressão que dava. Você tenta se lembrar das notas mentais, porque tinha certeza que era quarta-feira. Não é exatamente confusão, não é exatamente preciso, e você não está exatamente acordado. Pelo menos era a impressão que dava. Ou a impressão que ainda dá.
Um copo de coca-cola, 3 xícaras de café, os ovos acabaram. Você faz notas mentais de que precisa comprar ovos. E lavar a louça. Sexta-feira.
Acorda a noite na cama com a cafeteira ligada. Acorda com a janela aberta e a luz da lua amortecida por outras luzes de prédios de algum outro lugar onde há buzinas e cafeteiras desligadas. O tempo passa de forma peculiar. As notas mentais se misturam com o zumbido que se mistura com o gosto de café na boca que se mistura com a janela aberta e você se pergunta se hoje ainda é quinta-feira. Tem ovos na geladeira. O tempo passa de forma peculiar. Domingo.
Para onde foi o sábado? Você se pergunta se foi ao mercado na sexta-feira.
A impressão que o dia não acaba nunca e você não está exatamente dormindo. A impressão é que o ano passa num dia só, um dia muito longo e você com a sensação de não estar exatamente acordado.
Estamos em 2010. Você não percebe quando começa, e não tem previsão de quando termina. Uma sensação constante de déjà vu. Domingo.
Você acorda quando quase todos os prédios estão com as luzes apagadas e você só ouve buzinas distantes de algum outro lugar mas vê uma janela com a luz acesa do outro lado com alguém olhando para fora. Você olha para fora, olha para o outro lado mais longe, com a janela acesa, e faz uma nota mental.

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